Falando de Jodorowsky... Psicomagia

Psicomagia é o nome que o escritor chileno dá a uma técnica por ele criada e exercida de suposta cura espiritual. A técnica se baseia na premissa de que o inconsciente aceita os atos simbólicos como se fossem acontecimentos reais de modo que um ato mágico-simbólico-sagrado poderia modificar o comportamento do inconsciente e, portanto, se bem aplicado, curar certos traumas psicológicos. Estes atos são criados sob medida e são prescritos depois que o psicomago analisa as peculiaridades pessoais do consulente e estuda sua árvore genealógica.
A técnica é uma mistura de arte, psicoterapia moderna, filosofia oriental (em particular o zen budismo), misticismo, culturas antigas em geral, reencarnação, gnosticismo e Nova Era com uma influência especial de autores como Gurdjieff e Carlos Castaneda.
Na terapia psicoanalítica se tentaria traduzir a linguagem dos sonhos que pertencem ao inconsciente; mas, segundo Jodorowsky o inconsciente não é traduzível, ele é totalmente caótico, por esse motivo, o inconsciente não seria capaz de adotar uma expressão racional. Na psicomagia se propõe que se utilize o caminho inverso na comunicação consciente-inconsciente, que seja a parte racional das pessoas a aprender a linguagem do inconsciente.
A psicomagia parte do pressuposto de que em toda enfermidade há uma proibição (o sujeito é proibido de ser o que é), uma falta de consciência (o sujeito não se dá conta do que é) ou uma falta de beleza (quando perde a beleza espiritual, a pessoa adoece).
Segundo Jodorowsky, a psicomagia não pretende ser uma ciência e sim uma forma de arte que possui virtudes terapêuticas.
Vale lembrar que o conceito de arte de Jodorowsky é bastante particular. Para ele a finalidade da arte é curar. Posto aqui alguns trechos de uma entrevista que ele deu à revista Trip, sobre psicomagia.


A psicomagia só pode ser praticada por poucas pessoas, é verdade? Sim, só minha mulher, meu filho, um psiquiatra chileno amigo… é uma terapia vinda da arte. A psicanálise vem da ciência. A psicomagia, como investigadora do inconsciente, propõe que este seja artístico, não científico. São obras de arte as terapias, não têm uma forma sempre igual. Estou escrevendo um livro chamado Psicomagia para Todos.
Para fazer um ato de psicomagia você tem que passar um tempo estudando a história da família, não? Às vezes sim, mas às vezes só faço com a pessoa.
Já aconteceu algum dano com alguém? Em trinta anos, nunca. Você não pode dizer que um sonho seja errôneo. Assim, a psicomagia nunca é falsa, porque ela mexe direto com o inconsciente.
Qual foi a sessão de psicomagia mais estranha de que participou? Alguma violência? Não há violência. Se algum louco fica violento, mando embora e digo “vá tomar suas pílulas e volte quando se acalmar”. Estou para ajudá-los, não sou seu inimigo. Vamos usar sua loucura de um modo criativo.
Na psicomagia há algo muito presente em suas obras que é a não-linearidade: um choque emocional, um momento de vergonha, coisas que ninguém imaginaria ter feito… No processo de cura, é importante fazer algo que você nunca fez. Algo que seja muito difícil de fazer. Quanto mais difícil, mais curativo é o ato. Por exemplo, um halterofilista espanhol me procurou porque estava fraco, cansado demais, não podia fazer nada, ninguém sabia o que tinha. Bem, na sessão de psicomagia que fiz comecei pelo normal, perguntei de sua árvore genealógica, etc. Percebi que tinha um feroz complexo de Édipo. Disse: vá à casa de sua mãe e traga algum tipo de coração. Pode ser um desenho, um coração de galinha, qualquer tipo [risos]. Então, pegue o coração e viaje ao Egito. E o enterre na frente da Esfinge do Egito. Corra em volta da Esfinge gritando “Estou curado, estou curado”. O homem fez isso: foi à casa da mãe e achou uma caixinha de costura em forma de coração. Viajou para o Egito… a Esfinge estava toda cercada pela polícia, pois há ali muitos atos terroristas… mas ele achou um lugar e conseguiu enterrar e correr em volta da Esfinge! A maravilha é que no aeroporto ele conheceu uma japonesa que se tornou a mulher de sua vida. Ele recobrou sua força, fizeram amor o tempo todo e assim se curou.
É como fazer uma história com uma pessoa que vai atrair a sua fortuna… Fiz um curso no México com o grande psiquiatra da gestalt Claudio Naranjo. Havia 300 médicos ali. Fiz uma fila com todos e em algumas horas criei atos psicomágicos com todos eles. Me procurou uma médica, famosa por curar problemas posturais, furiosa porque sentia que os doutores lhe teriam metido a verga no cu [risos] com suas terapiass. Aí fui circulando a doutora, devagar, e, de repente, lhe dei uma dedada! [Gargalhadas] E ela se curou! Depois me disseram, “não te metas com a psicomagia ou alguém ainda vai te colocar um dedo no cu!”.
Que significa estar são? Ser você mesmo e não o que os outros querem que você seja. Quando nascemos, caímos num grupo familiar, cultural e social, com situações de pátria, raça… se você é o que querem que seja, estará doente.
Uma forma nietzchiana de pensar… Pode ser… depende do que você entende que foi Nietszche. Para uns, Nietzche é uma coisa, para mim, é um homem que o achavam louco porque soltava cavalos pelas praças. Ele é um poeta, uma vítima.
Psicomagia surge de um processo de buscas e encontros, não? … Sim, conheci Oscar Ichazo [psicólogo boliviano, fundadr do Centro de Arica e criador do eneagrama da personalidade] com Claudio Naranjo, e este com [Carlos] Castañeda [antropólogo e feiticeiro chileno, auto de A erva do Diabo]. Ele mostrou seu eneagrama para Naranjo, que percebeu ele o havia sacado de Gurdjieff [filósofo armênio que em Paris criou um círculo de autoconhecimento]. Do mesmo jeito me encontrei com [Paulo] Coelho também. Conheci-o em uma Feira de Guadalajara. Tínhamos o mesmo editor. No Brasil não sou muito conhecido, mas no México, sou bastante. Pela manhã cheguei à feira e me sentei por erro sob a foto de Coelho. Como ele tinha barba e ele também, acharam que ele era eu. Então por toda a manhã, assinei Paulo Coelho nos livros de 300 pessoas [risos]. Eu já fui Coelho! Acho que ele nem sabe disso. As pessoas saíram felizes…
E Ichazo, como o conheceu? O contatei para fazer A Montanha Sagrada. Me convidou a tomar LSD. E eu não queria tomar LSD como os idiotas que o tomam para ir a uma festa. Queria ter um mestre que me guiasse. Tomei duas vezes, oito horas cada uma, e me bastou.
Ayahuasca, tomou? Nunca tomei, não me interessa. Quando ayahuasca ainda não era moda, conheci um louco francês que tomava e fiz um comic chamado La Loca del Sagrado Corazón. É como um êxtase, mas… creio que um elemento que abre sua mente não tem por que estar unido a um rito religioso. Você toma a planta e começa a cantar coisas para a Virgem Maria, a Jesus Cristo, todas essas imbecilidades que a religião faz, e você tem justamente de se libertar de superstições e primitivismos. Não quero voltar ao primitivo. Quero ir ao primitivo, atravessar o racional para ir ao supraracional. Não quero voltar ao xamanismo. O xamã deve permanecer em seu lugar, se mora no México, fique no México, se está na Sibéria, fique na Sibéria, não abra uma loja em Paris. Se vai à cidade, vai pelo dólar. No campo, está cercado de seus elementos, os minerais, as plantas e os animais que conhece. Na cidade, um xamã deve utilizar os elementos da cidade. Uma vez curei uma senhora que tinha uma enorme melancolia com seu celular. Sua mãe estava a 1000 quilômetros de distância. Disse para ela ligar para sua mãe e dizer “te quero, te amo” e esfregar o celular pelo corpo, enquanto sua mãe lhe falava. Foi tão forte quanto um hábito xamânico primitivo. Você pode fazer xamanismo com automóveis, com copos, com computadores. Posso fazer um ato xamânico com essa colher. Vou inventar um, já me entusiasmei [risos]. Tive um aluno que certa vez se encontrou com a mulher de sua vida. Mas essa mulher lhe disse que tinha um tumor canceroso. Fomos fazer um creme com esses lubrificantes que se usa para fazer amor, como se chama? KY! Pedi para pegar isso e misturar àquele pó que se usa para fazer pastéis. E juntar com um colorante vegetal cor vermelha, e isso ficou parecendo sangue. Peguei uma faca de cozinha, uma esponja, juntei tudo, peguei algodões, álcool, brincamos de operar o tumor. Interessante é que esse lubrificante esquenta, por isso os homossexuais gostam de usá-lo… Você são homossexuais?
Não! [Risos] Então, aquilo parecia sangue quente, e o incrível é que, enquanto eu fazia a operação, a mulher dava verdadeiros gritos de terror, como se eu estivesse a operando, e mesmo sabendo que era um tumor falso. O corpo reconhece a metáfora. Quando tirei o tumor, peguei uma caixa cheia de bolas de chumbo e lhe dei uma: “Veja como pesava seu tumor”. Ela sabia que era falso, mas sentiu o peso. Pedi para que o jogasse no Sena, e assim ela o fez. Acredita que o tumor decresceu? Diminuiu a tal ponto que ela não precisou operá-lo. Ele foi feliz, ela foi feliz, eu fui feliz. Mas uma semana depois apareceu um tumor em outro lugar. Então compreendi que o tumor é um sintoma de um mal psicológico ou espiritual, que, mesmo você o extirpando, não irá desaparecer. Há que se atacar a alma. É isso o que eu quero dizer: o xamã é um placebo. O corpo acredita. 
Através da árvore genealógica você compreende sua psique? Completamente. O inconsciente é uma realidade. Os mortos de sua família continuam com você. Você fala com eles quando sonha. Sua mãe não está aqui, mas continua dentro de você. Que diferença há entre as duas? A sua mãe verdadeira é a que está dentro. 
A droga pode ser algo ritualístico? Existe uma palavra chamada egrégor. Várias pessoas reunidas juntas fazem um espírito juntas, que dura um ano. Os países têm um egrégor – a águia americana, o urso russo, o galo francês, o gavião brasileiro. As plantas também têm um egrégor. Pouco a pouco invadimos os territórios das plantas. Estamos matando a Amazônia, não? Então o egrégor das plantas descobriram que podem invadir o território humano através do sangue. Estamos invadidos pelo egrégor da maconha. Depois de um tempo, um maconheiro, um cocainômano, um ayahuasquero não são mais essas pessoas: são os egrégores das plantas que consomem. Vai desparecendo a pessoa e surgindo a planta – assim também com o vinho, o café, o chá… Somos o que ingerimos. E as plantas são nossos inimigos atualmente. Estão entrando em nosso lugar.
Como pode existir um xamã em uma sociedade de consumo? Há diferentes níveis de consciência. Infantil, cósmica, divina, animal, sexual. Então você vai encontrando um nível para entrar. Tudo é o uso que se faz das coisas. O presidente, os policiais, os políticos são nossos empregados, nós é que os usamos. Temos de semear consciências. E os imbecis, os incultos, os homens de consciência estreita votam. Não são os homens de consciência evoluída que ocupam o poder, senão os involuídos. E acontece o que vemos. Meu trabalho é semear consciência. 

Há como fazer psicomagia em massa? Eu fiz isso. Mandei 300 pessoas para um supermercado para que rezassem aos frangos [risos]. Pedi que ajoelhassem adiante aos frangos dos frigoríficos e rezassem como se orassem para Virgem Maria [gargalhadas]. Em Chile, uma vez pedi para despejarem milhares de poemas sobre o Palácio de La Moneda. Agora estou convidando mulheres para irem ao Vaticano, mil mulheres vestidas de papisa para que o Papa entenda que as mulheres também têm um direito de se comunicar com Deus [risos]. São protestos pacíficos. Estive com a presidenta do Chile, [Michelle] Bachelet – li o tarô para ela – , e disse a ela que os países estão sempre fazendo negócios. Não têm humanidade. É uma vergonha! Por que Chile não dá de presente à Bolívia um porto, sem que se peça nada em troca? As crianças bolivianas não podem conhecer o mar porque não tem um porto… é uma estupidez. E é uma terra desértica ali. Ela me disse: você tem razão. Ela é muito inteligente, me deu as melhores impressões. 

Poderia fazer um ato de psicomagia para jornalistas? Primeiro preciso saber o que são jornalistas.
Jornalistas são pessoas que fazem perguntas. Então façamos assim… você [para Ichiro] é Jodorowsky. E eu sou o jornalista. E eu pergunto: qual é a finalidade da sua vida, Jodorowsky?
Criar. E que é criar?
Viver. Bom. E o que é estar vivo?
Deixar fluir a força da vida…? Muito bem. Estou de acordo com sua sabedoria. Então, a partir de hoje, pare de dar entrevistas e viva o que você tem de viver.
E deixar de ser jornalista… Muda de profissão! [risos].
E vai fazer mais atos de psicomagia em público? Sim, acabo de fazer um no Chile com 5 mil pessoas. Agora quero fazer um com 100 mil pessoas na França. Quero provar que a energia de 100 mil pessoas juntas podem curar um câncer de uma pessoa. Gosto de fazer atos coletivos, não religiosos, não políticos, somente curativos, positivos.
E atos surrealistas, como rezar aos frangos? Quero fazer em Nova York um desfile de gordos. Todos os gordos levarão bandeiras com fotos de crianças raquíticas africanas. Incrível, não? Imagine o efeito disso: gordos levando esqueletos [risos]. Vou propor isso pela internet. Quero fazer atos públicos. Me interessa agora a psicomagia social.

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